Existe relação entre tratamentos de reprodução assistida e transtorno do espectro autista (TEA)?
O transtorno do espectro autista (TEA) é caracterizado por dificuldades na comunicação social, pela presença de interesses restritos e comportamentos repetitivos. Na maioria dos casos, se manifesta em crianças com até 18 meses de vida.
O TEA pode ser causado por alterações genéticas, ambientais e/ou pela combinação entre ambas. Dentre as causas genéticas podemos citar as alterações monogênicas, que são aquelas nas quais há alteração em um único gene, como por exemplo no gene SHANK3; podemos citar também as alterações cromossômicas, como por exemplo a deleção do cromossomo 16p11.2. Há também causas genéticas complexas, nas quais a interação entre diversas alterações genéticas em genes distintos são as responsáveis pelo desenvolvimento da condição. Dentre as causas ambientais podemos citar o espectro dos distúrbios relacionados ao consumo de álcool na gestação, nos quais em até 70% dos casos pode haver autismo associado. Outros fatores com evidências preliminares de associação com autismo incluem a idade paterna avançada, prematuridade, sangramento uterino, baixo peso e baixa nota de APGAR ao nascer. Ademais, casais que possuem caso de autismo já diagnosticado na família tem chance maior de apresentarem autismo em seus filhos, quando comparados a casais que não possuem casos de autismo na família.
Muitos estudos têm abordado uma possível relação entre TEA e tratamentos de reprodução assistida, como fertilização in vitro (FIV), inseminação intrauterina e injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI).
Neste artigo, abordaremos em detalhes este tema, esclarecendo suas possíveis dúvidas. Mas vamos começar falando sobre o que é reprodução assistida.
O que é reprodução assistida? Entendendo os métodos
A reprodução assistida é uma área da Medicina que auxilia os casais que, por algum motivo, têm dificuldades para conceber um filho de maneira natural. Ela diagnostica e trata homens e mulheres que não conseguem se reproduzir pelos mais diversos motivos, indicando o tratamento mais adequado para cada caso.
Existem diversas opções de tratamento – das mais simples às de maior complexidade -, que atendem desde mulheres que desejam engravidar em uma idade mais avançada, casais homoafetivos que desejam ter filhos biológicos, produção independente e planejamento familiar, reduzindo o risco de doenças genéticas.
Os principais tratamentos incluem:
Coito programado
É considerado um tratamento de baixa complexidade que consiste na indução da ovulação por meio de medicamentos. No decorrer do tratamento, são realizadas ultrassonografias, a cada dois ou três dias, com o objetivo de acompanhar o crescimento dos folículos. Quando estes atingem o tamanho ideal, o casal é orientado a ter relações sexuais com maior frequência.
Inseminação intrauterina
Nesse procedimento, o sêmen é coletado em laboratório e, depois de preparado, é inserido na cavidade uterina, o que aumenta a chance de fecundação do óvulo pelo espermatozoide.
Fertilização in vitro (FIV)
A fertilização in vitro é considerada uma técnica de alta complexidade e com maiores taxas de sucesso, que variam de acordo com a idade da mulher. Nela, a fecundação ocorre em laboratório e, após gerado o embrião, ele é transferido para a cavidade uterina.
Injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI)
Trata-se de uma técnica que pode ser utilizada na fertilização in vitro na qual apenas um espermatozoide, selecionado em laboratório, é inserido no óvulo com uma pequena agulha. Quando o embrião é formado, ele é transferido ao útero. Por se tratar de um método mais complexo, é indicado, principalmente, para homens com alterações consideradas significativas nos espermatozoides ou mulheres com baixo número de óvulos.
Desfazendo mitos: reprodução assistida e o risco de TEA
Durante muitos anos, travou-se um debate sobre os riscos de autismo nos tratamentos de reprodução assistida. Especulava-se que as intervenções realizadas em óvulos e espermatozoides nos tratamentos de FIV pudessem gerar mudanças epigenéticas que levassem ao aumento das chances de uma criança nascer com o TEA. Vários pesquisadores já se debruçaram sobre este tema para avaliar o que é ou não verdade e o fato é que esta teoria não foi comprovada.
Ensaios recentes sobre reprodução assistida e autismo têm observado que não há uma correlação entre os tratamentos e o transtorno. Um deles, publicado recentemente no Journal of the American Medical Association, mostra que os tratamentos de reprodução assistida não aumentam o risco de desenvolvimento do transtorno do espectro autista nas crianças.
O estudo, considerado o mais amplo ensaio sobre o assunto, foi realizado com uma amostra de mais de 1 milhão de crianças no Canadá e mostrou que não há risco aumentado de TEA em crianças nascidas por métodos de reprodução assistida, sejam eles quais forem, ou seja, não houve diferença na taxa de incidência de TEA entre a FIV convencional e a FIV com injeção intracitoplasmática de esperma ou com o tratamento de inseminação intrauterina.
Os dados apresentados apontaram também que o aumento observado na incidência de TEA entre crianças nascidas de casais subférteis (homens e mulheres que até podem conceber um filho sem necessidade de tratamento, mas que têm mais dificuldade para engravidar ou, então, a mulher não é capaz de seguir com a gestação até o fim) em comparação aos filhos de casais férteis foi muito discreto. Além disso, foram apontados que fatores como gestação múltipla e parto prematuro são responsáveis pela possível associação entre infertilidade e TEA.
Em conclusão, os resultados sugerem que o fator subjacente que contribui para a ligação entre infertilidade parental e TEA nas crianças pode ser a própria infertilidade, e não os tratamentos de reprodução assistida.
A ciência por trás da segurança da reprodução assistida
A reprodução assistida teve um desenvolvimento crescente na área da saúde graças ao desenvolvimento tecnológico. Segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), novas tecnologias incorporadas aos tratamentos de reprodução humana, quer no que tange a procedimentos médicos, laboratoriais ou relacionados a insumos e equipamentos, propiciam uma segurança cada vez maior aos procedimentos.
No Brasil, a qualidade dos serviços e da assistência oferecidos na área, assim como os resultados obtidos, se equiparam aos dos melhores centros do mundo.
Ao longo dos anos, a FIV, por exemplo, se tornou um dos métodos mais procurados porque atende às necessidades de casais com mais de 35 anos que desejam ter filhos, mas que decidiram priorizar a carreira e os estudos antes de formar uma família.
Desde o primeiro nascimento de um bebê pela técnica, em 1978, os equipamentos foram aprimorados e outros surgiram, assim como o ambiente para a cultura de embriões foi melhorado, aumentando as chances de gravidez.
Além disso, os tratamentos, que anteriormente eram indicados somente para casos de infertilidade, hoje acolhem pessoas que desejam esperar o momento certo para serem pais e mães, preservando também as chances de indivíduos que precisam passar por terapias que podem prejudicar a fertilidade, como os tratamentos oncológicos.
Prevenção de TEA através da seleção embrionária na FIV
Por meio de tratamentos como a fertilização in vitro, algumas doenças genéticas podem ser prevenidas – em casos indicados – por meio de um exame chamado diagnóstico pré-implantacional (PGT). Ele permite que os embriões sejam examinados, por meio de uma biópsia, antes da transferência.
Casais que possuem risco aumentado para uma doença monogênica ou cromossômica que curse com autismo e que já tenham um diagnóstico molecular conclusivo podem se beneficiar desta metodologia para diminuir as probabilidades de desenvolvimento do autismo em seus filhos.